terça-feira, 15 de maio de 2018

"O Autista não percebe o outro"

Há algum tempo a correria do dia a dia: trabalho, estudo, casa, filhos, a rotina de terapia e atividades das crianças acabou por me afastar da escrita do Blog. Hoje, porém, uma frase me reconduziu à escrita: "O Autista, por exemplo, não percebe o outro". Estas palavras ficaram ecoando em minha mente. Era preciso externar o que estava pensando e sentindo, falar com as pessoas. Eu precisava escrever. Me lembrei que uma amiga, Laura, há alguns meses, havia me perguntado sobre o blog e disse estar na torcida para que eu voltasse a publicar meus depoimentos. Eu a prometi que, caso conseguisse afastamento para o doutorado, retomaria a escrita e, um pouco atrasada, aqui estou!

Bem, mas em que contexto a frase foi proferida? Estava em um seminário onde o palestrante versava sobre percepção e querendo chamar atenção ao fato de que esta é subjetiva disse: "Imagine um clips sobre a mesa, uma pessoa pode percebê-lo, outras... Por exemplo, um autista. Pode ter um autista sentado, passar uma pessoa e ele nem notar. O autista não percebe o outro". Após este exemplo, continuou sua palestra apresentando outros, sem retomar o autista.  Essa fala me desestabilizou. Não era o tema da palestra, não estava preparada para ouvir tal "analogia". O palestrante nem percebeu o que acabara de fazer, afinal de contas, este não é um sinônimo de autismo? A não percepção do outro, a insensibilidade? Comecei a perceber que ele havia apenas lançado mão de um "conhecimento" que havia adquirido, algo que está presente nos discursos do senso comum, incorporado e externado, sem segundas intenções, naquele momento. Porém, para mim, que possuo envolvimento pessoal com o autismo, percebi que aquela frase deixaria sequelas, não só em mim por ter sido "ferida" por aquelas palavras, mas em todos que ali estavam: não iriam estes repetir tal constatação no futuro?

Num primeiro momento pensei: deixa pra lá, ele não fez por mal. Comecei, porém, a lembrar das pessoas que, assim como eu, lutam pelo respeito ao indivíduo autista. Lembrei do Pedro, de como é sensível e capaz de perceber o outro e compreendi todo o preconceito agregado àquela frase. Ao final da palestra fui a primeira a me inscrever para fazer questões. Me apresentei ao palestrante e disse que uma frase dita por ele estava me incomodando desde o início da palestra: "O autista não percebe o outro". Falei que um forte movimento das pessoas ligadas ao autismo é pelo fim do uso pejorativo da palavra. Uso este que apenas contribui para o preconceito. Devido a este uso consensual, a este discurso apropriado pelo senso comum, pais não querem que seus filhos estudem na sala de uma criança autista porque ouviram que eles são violentos, ou professores justificam que é normal deixar o autista sozinho no canto da sala porque ouviram que eles gostam de ficar isolados no seu mundo. No início da palestra ele havia dito que algumas pessoas conseguiam enxergar um determinado desenho em 3D, outras não. Bastava que ele dissesse: algumas pessoas verão o clips sobre a mesa, outras não; algumas pessoas percebem o outro, outras não. Eu teria vários exemplos que mostram como o autista percebe o outro, mas que me ative a pedir o fim do uso do autista como exemplo e do autismo no sentido pejorativo. Ele reconheceu que não foi um exemplo feliz e se desculpou. Espero que, pelo menos os presentes naquele auditório não utilizem mais autismo como sinônimo de falta de ação, de interação, de percepção... em seus discursos.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Acessibilidade e Inclusão

Acessibilidade e Inclusão


"A acessibilidade é um direito, não um privilégio"
 William Loughborough


Assim que Pedro foi diagnosticado percebi que a luta pela inclusão seria constante em todo seu processo de escolarização. Logo que iniciou o ano letivo de 2016 percebi que esta não será uma tarefa fácil. A professora do ano anterior já estava acostumada com o Pedro. Sabia lidar com ele, fazia adaptações nas atividades para toda a sala para que ele pudesse participar. Porém, a nova professora sabia apenas seu nome. Na primeira semana de aula, quando íamos buscá-lo na escola, constantemente o encontrávamos deitado no chão da sala, sozinho. A esperança de que isso iria mudar acabava conforme o tempo ia passando. De cabeça quente, cheguei a pensar em tirá-lo da escola, em brigar com a professora e com a coordenadora. Eu atribuía o fato de o Pedro estar isolado na nova sala de aula à falta de vontade e iniciativa da professora. Porém, após esfriar a cabeça Era preciso apresentar o Pedro para ela e assim o fiz. Conversamos, eu, a professora e a coordenadora por mais de uma hora. Após a conversa, as aulas mudaram, assim como a atitude e a interação da professora, e tudo Pedro começou a participar das aulas novamente, mesmo que com suas limitações. Esse processo foi extremamente importante para meu amadurecimento, para que eu percebesse que seria uma função constante minha brigar pela acessibilidade, já que recorrentemente vamos nos deparar com o desconhecimento por parte dos profissionais.

Quando falamos de acessibilidade logo nos vem em mente adaptações voltadas a deficientes físicos, como as que permitem o acesso a espaços públicos, como por exemplo elevadores e rampas de acesso. Porém, acessibilidade é muito mais do que uma mera modificação no espaço físico. Acessibilidade é algo muito mais amplo e envolve, inclusive, aspectos metodológicos e atitudinais. Acessibilidade pode ser definida como

“possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”. (Lei nº  10.098, de 19 de dezembro de 2000).

Existem diferentes tipos de acessibilidade. A acessibilidade arquitetônica visa promover a autonomia física das pessoas com deficiência; a acessibilidade comunicacional busca gerar uma melhoria na relação interpessoal do indivíduo com deficiência; a acessibilidade metodológica que defende que barreiras nos métodos de estudo devem ser substituídas por técnicas e adequações que facilitem o aprendizado, mudanças nas relações comunitárias ajustadas para o melhor convívio em sociedade, apropriar equipamentos eletrônicos e métodos de trabalho para garantir a inserção no mercado de trabalho; a acessibilidade instrumental, relacionada às mudanças e adequações de alguns objetos, como por exemplo utensílios de trabalho e de estudo; a acessibilidade programática, ligada à ação das políticas públicas que regulamentem a igualdade social entre a comunidade e as pessoas com deficiências e por último, mas não menos importante, a acessibilidade atitudinal, relacionada ao convívio das pessoas em sociedade, que possibilita a relação social e interpessoal de todos os tipos de pessoas, sem distinção ou preconceito.

No caso do Pedro, meu filho, não é um trabalho fácil mostrar às pessoas e a sociedade que precisamos promover a acessibilidade para ele. Afinal de contas, sua deficiência não é aparente, não salta aos olhos. Não raramente me deparo com quem duvide que ele seja autista por não dar para comprovar a olho nu. “Ele não parece ter nada”, “ele é uma criança tão bonita”, ”mas ele é tão inteligente”. Frases como estas, carregadas de preconceito, não são raras em nosso dia a dia. E a deficiência teoricamente invisível, ou camuflável, do Pedro às vezes dificulta pensar em ações de acessibilidade que efetivamente garantam sua inclusão, principalmente no ambiente escolar.

Para que haja a inclusão do Pedro é necessário garantir, principalmente, a acessibilidade dos tipos metodológica e atitudinal no ambiente escolar. É preciso que as professoras adaptem suas práticas utilizando um desenho universal, evitando que ao invés de inclusiva a ação seja exclusiva. A importância da rotina, a necessidade de antecipar ações, a entonação e o modo como uma atividade será apresentada, a necessidade de ilustrar com figuras e exemplos, o emprego de frases curtas e diretas, o uso de vocabulário mais simples, o cuidado com o uso de som muito alto, são exemplos de adaptações metodológicas extremamente importantes para o Pedro. Para que se tenha acessibilidade metodológica é preciso que haja diversificação curricular, flexibilização do tempo e a utilização de recursos que privilegiem a aprendizagem de estudantes com deficiência. É imprescindível que se diversifique as metodologias utilizadas, mas se bem empregadas, podem trazer bons resultados para todos os alunos, com e sem deficiência.

Porém, garantir a acessibilidade metodológica para o Pedro, apenas, não implica sua inclusão. A maior preocupação de uma mãe é justamente com o aspecto emocional do seu filho, com seu bem-estar: Ele está feliz? É aceito pelo grupo? Os amigos respeitam? Nesse sentido minha outra preocupação é com a efetivação da acessibilidade atitudinal.  A barreira atitudinal é, com certeza, a mais difícil de ser vencida e é, provavelmente, a mais prejudicial à inclusão das crianças com deficiência na escola. O ambiente escolar não está imune a atos discriminatórias e a falta de informação de alunos, pais e principalmente professores e gestores. A desinformação, ainda nos dias de hoje, é muito grande. Temos que lutar para que a escola, de modo especial, seja um ambiente que prime pelo respeito à diversidade.

Tenho consciência de que sou responsável, de algum modo, pela formação das professoras do meu filho. Como primo por sua felicidade e por sua inclusão, sei que minha presença na escola deve ser constante. Não posso esperar que as professoras por si só consigam elaborar estratégias para lidarem com o Pedro. A maior especialista em uma criança deficiente é sua mãe. Nós, mães, construímos ao longo dos anos um imenso conhecimento sobre como lidar com nossos filhos, o que eles gostam, como eles aprendem... É preciso que esse conhecimento seja compartilhado com as professoras. Não estou, de maneira alguma, eximindo a escola e os profissionais de educação de buscarem formação e atualização profissional na área da Educação Inclusiva, que é uma necessidade atual e constante em todas as escolas. Apenas estou reconhecendo meu papel na escolarização do meu filho. É importante que aconteça um trabalho em conjunto. Pais, terapeutas, professores e coordenação precisam manter diálogo e parceria para que, juntos, elaborem a uma melhor estratégia para o desenvolvimento do estudante.

No meu caso a missão é dupla: como mãe, na formação do Pedro e como professora, na formação de meus alunos, futuros professores. Espero, de algum modo, que minha experiência mostre para outros pais a importância da parceria entre família e escola e que contribua na formação de professores inclusivos, que assumem a responsabilidade pela garantia de acessibilidade como uma das vertentes mais importantes de seu trabalho.

#PraCegoVer Desenho representando um grupo com oito crianças, entre meninas e meninos, acenando felizes, dentre elas um cadeirante, um com mobilidade reduzida e um cego. Todas crianças possuem diferentes fenótipos: umas loiras, outras negras; umas altas, outras baixas, umas mais magras, outras menos.




Imagem disponível em: <http://www.novoshorizontesfm.com/img.content/noticias/noticia1255.jpg> Acesso em nov. 2016.


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A Busca pelo Diagnóstico

Novembro de 2014. Fui chamada formalmente a uma reunião na escola para falar do meu caçula, Pedro, de apenas 2 anos e meio de idade. Toda mãe sabe a angústia que este convite gera. Ninguém está preparado para ouvir de um estranho que seu filho não se desenvolveu como o esperado, que está muito aquém dos demais da sala, que não corresponde a tarefas teoricamente fáceis, como responder quando é chamado. Durante a reunião, não consegui falar muita coisa. Aquele famoso nó na garganta me impedia. No caminho de casa, o carro foi meu confidente.  Aliás, não há melhor ouvinte. Chorei, me culpei, comecei a tentar achar os reais culpados, como se existissem. Rezei. Ao chegar em casa e falar com minha mãe, a notícia que no fundo nem era tão imprevisível, nos levou a um silêncio profundo. Infinito por alguns instantes. Minha mãe preferiu se agarrar ao fato de que Pedro era mais devagar. Eu, porém, sabia que tinha algo além de um simples atraso no desenvolvimento. 

Passei por um período de luto e recaídas. A todo momento eu ficava me perguntando se poderia ter feito algo diferente. Me lembrei que ao primeiro sinal realmente visível, o atraso motor, procurei sua pediatra e relatei que aos nove meses Pedro ainda não sentava com firmeza, não rolava, não arriscava a se arrastar. Ela tentara me acalmar justificando que cada criança se desenvolve com uma velocidade, porém, percebendo minha preocupação acabou por indicar fisioterapia para acelerar o desenvolvimento motor do Pedro. Após uns dois meses de fisioterapia, ele já sentava com mais firmeza, rolava e ensaiava engatinhar. Continuamos a fisioterapia até que ele desse seus primeiros passinhos, o que aconteceu por volta de 1 ano e meio. Quando a fisioterapeuta o liberou, ela disse que era “claramente falta de estímulos” e que agora Pedro andaria. Naquele momento, embora aliviada, me senti muito culpada. Dei ao Pedro os mesmos estímulos da irmã: eu ficava no tapete incentivando-o a pegar brinquedos, o deixava no chiqueirinho para que tivesse autonomia em levantar, sentar e ensaiar os primeiros passinhos... Mas tudo bem! Talvez ele precisasse de mais do que a irmã e eu não havia me atentado. Essa frase da fisioterapeuta nunca saiu da minha cabeça.




A sinalização dada pela escola foi o “start” que eu precisava para escolher entre “tampar o sol com uma peneira” ou descobrir por que Pedro era diferente. Nunca me senti confortável em falar que ele tinha “suspeita de autismo”. Parecia que ele estava sob ameaça de ter alguma doença. Autismo não é doença. Não é algo que se pegue e que se cure! Eu precisava que alguém tivesse coragem de diagnosticar o Pedro para lutar para que as pessoas o aceitem e o respeitem como ele é. Comecei então a busca pelo diagnóstico. 

Procurei novamente a pediatra que nos indicou passar por um neuropediatra e por um psicólogo Infantil para investigarmos o atraso no desenvolvimento psicomotor do Pedro. Na primeira consulta, a neuropediatra não trocou uma palavra com o Pedro. Sequer encostou nele. Deu apenas pedidos para tomografia computadorizada, exames de sangue e urina e cariótipo. Na consulta de retorno levei os exames que nada constataram. Ela então fez os exames clínicos de rotina com o Pedro e disse que ele ainda era muito novo para dar um diagnóstico. O ideal seria esperar ele completar cinco anos para fechar um diagnóstico certo. Questionei a ela o fato de o Pedro ter, na ocasião, dois anos e meio. Eu me recusava a ficar esperando de braços cruzados até que ele completasse cinco anos para começar a agir. Eu não perderia dois anos e meio da vida do meu filho! Eu sabia que este tempo seria muito importante para o desenvolvimento dele. Ela, vendo minha angústia, indicou então começar acompanhamento com terapeuta ocupacional e fonoaudiologia, pois, segundo ela, estas intervenções mal não fariam.

Enquanto fazíamos os exames pedidos pela Neuropediatra, Pedro começou a fazer também seções com uma psicóloga infantil. Passadas as seções pedidas, ela disse que ele era muito novo e como não interagia com ela, não se sentia confortável em ensaiar um diagnóstico. Disse também que não indicava mais terapia neste momento. Sugeriu voltar quando ele estivesse mais velho. Hoje, vejo claramente que, na verdade, ela não conseguiu interagir com o Pedro e nem criar um vínculo com ele. Como a dificuldade de interação dele não foi, naquele momento, um indício de algo? A insegurança desta profissional somente atrasou o diagnóstico do Pedro.

Com as terapias Pedro estava se desenvolvendo muito e já começava a se expressar, mesmo que utilizando poucas palavras. Estava ficando mais independente gradativamente e interagindo com o mundo e com outras pessoas, mesmo que a seu modo. Eu poderia estar satisfeita apenas com as terapias, mas eu não estava. Queria que alguém o examinasse com cuidado e me dissesse com certeza o que o Pedro tinha. Alguns me criticavam, dizendo que eu queria rotular meu filho. Mas para mim era um direito nosso. Foi então que decidi buscar um profissional que não tivesse procurado ainda: um psiquiatra infantil. Marquei consulta com uma médica e levei os exames que ele já havia feito. Mais uma vez a decepção: mais um profissional que consulta meu filho sem encostar nele e sem interagir com ele. Ela fez a entrevista comigo, olhou os exames, disse que achava “fantástico” ele já estar fazendo fono, fisio e T.O. aos três anos mesmo sem diagnóstico, pois geralmente os pais não aceitam que o filho é diferente. Relatei a ela como o Pedro estava se desenvolvendo com as terapias. Após a entrevista, ela chamou o Pedro pelo nome e ele olhou. Ela sorriu e disse: “Mãe, se eu tivesse que te dar um diagnóstico hoje, te diria que ele não tem nada. Continue com as terapias que ele vai se desenvolver”.

Após esta “superconsulta” de 15 minutos, qualquer mãe sairia do consultório explodindo de alegria. Era tudo que eu queria ouvir... Mas não! Não era! Poxa, era tão difícil alguém escutar uma mãe, olhar os detalhes com atenção! Eu sabia que o Pedro era diferente. Graças a Deus não era algo tão severo, mas “nada” certamente não era o diagnóstico. Cheguei em casa. Minha mãe estava ansiosa. Contei a ela sobre a consulta e sua reação foi como eu previa: “Graças a Deus! Que bom! Agora para de procurar ‘chifre em cabeça de cavalo’!”. Eu entendo sua reação, para ela era difícil a ideia de ter um neto especial. Não é fácil para ninguém. Após conversar com minha mãe, por alguns instantes, até acreditei que era neura minha. Seria tão mais fácil acreditar nesta última médica! Mais tarde, com a cabeça mais fria, conversando com meu marido, percebi que realmente era mais um profissional errado que tínhamos encontrado em nosso caminho.

Ficar na sala de espera de clínicas é uma rotina de qualquer mãe que acompanha seus filhos às terapias. Converso muito com outras mães, trocamos experiências, anseios e decepções. Em uma destas conversas, após relatar minha experiência negativa com médicos, uma mãe me indicou a neuropediatra de seu filho. O único problema é que era particular e o valor da consulta um pouco acima da média. Não pensei duas vezes e agendei uma consulta, com dois meses de espera.

Chegado o dia da consulta, a médica veio nos chamar na sala de espera. Ela estava observando como o Pedro reagiria quando fosse chamado. Observou também a maneira como ele caminhava até a sala. Ao entrar na sala, ela pediu que eu sentasse e foi brincar com o Pedro. Perguntava coisas para ele, pedia que fizesse algumas ações como pular, apontar, colocar a língua para fora... Após uns trinta minutos interagindo com o Pedro ela se sentou, fez uma entrevista demorada comigo, olhou detalhadamente os exames do Pedro que eu havia levado. Pediu vários exames complementares. Ela queria excluir todas as síndromes possíveis antes de fechar algum diagnóstico. Voltou, sentou o Pedro na cama, tirou toda sua roupa e o examinou como ninguém havia feito. A consulta durou umas duas horas. Saí de lá com pedido de um monte de exames, indicação para natação, equoterapia. Não tinha diagnóstico, mas tive a certeza de que agora seria acompanhado por uma médica que atenderia meus anseios. No final das contas, o valor pago por uma consulta de duas horas tão individualizada, não é tão caro assim.

Voltei com os exames e nenhum deles indicava alguma síndrome ou alteração. Ela nos disse que a única coisa que ainda poderíamos fazer era procurar um geneticista e fazer um exame genético mais completo. Porém, este é um exame muito caro que, por hora, não iremos fazer. Ela pediu que Pedro voltasse após seis meses para acompanhar seu desenvolvimento. Retornei em junho de 2016 e mais uma vez tivemos uma consulta minuciosa e demorada. Ao final ela me perguntou, com um sorriso fraterno, se eu tinha alguma dúvida sobre o diagnóstico. Eu, com muita serenidade, respondi que não. Foi então que ela disse que não tinha razão para me deixar sem um posicionamento, já que para ela também era claro que Pedro estava no Espectro Autista e que tinha Alto Desempenho. O alto desempenho do Pedro será assunto para outro post. O fato é que agora tenho um parecer de um médico. Posso lutar pelos direitos do meu filho. Posso ajudar as pessoas próximas a lidarem com ele, sejam amigos, familiares ou professores.

Este post longo foi um desabafo para que mães não se prendam ao primeiro diagnóstico. Procurem mais de um profissional. Quantos acharem preciso! Sigam seus corações. Não é à toa que aquele antigo ditado sobrevive a gerações: “Coração de mãe não erra! ”

sábado, 24 de setembro de 2016

A pessoa com deficiência na minha história de vida: a maternidade

Sempre cresci ouvindo de familiares que Deus só dava filhos especiais para mães fortes. Tal crença me confortava, afinal eu não conhecia alguém menos forte que eu. Tanto em porte físico quanto em postura frente a dificuldades. Eu era tímida, chorona e fraca. Desmaiava até mesmo na hora de arrancar dentes. Sendo assim, eu nunca seria mãe de uma criança especial.

Os anos passaram, me formei, casei com o melhor marido do mundo e veio nossa primeira gravidez. Planejada, um filho muito desejado. Teste de farmácia feito, confirmação no laboratório. Não nos contínhamos com tamanha felicidade. Tínhamos que contar para todos familiares a novidade e assim o fizemos. Dias depois, réveillon de 2009, sangramento. Perdíamos nosso tão desejado bebê dias após ter contado a todos familiares e amigos. Foi um momento muito triste e difícil. A médica do pronto socorro para nos consolar disse-nos palavras muito carinhosas: "É normal, principalmente na primeira gestação, antes da 12ª semana, o aborto espontâneo. Mas não fiquem tristes, a natureza é sábia. Se o corpo expeliu é porque tinha alguma imperfeição". Era tudo que precisávamos ouvir naquele momento!

A obstetra, após o aborto, nos orientou a aguardar três meses para tentar engravidar novamente. E assim fizemos: três meses depois estávamos esperando nosso próximo bebê. Só que dessa vez pouparíamos familiares e amigos. Esperamos passar as tão temidas 12 primeiras semanas para contar a todos a novidade. Esta segunda gravidez correu super bem, apesar de um pequeno susto com o início de um descolamento de placenta e o fantasma da diabetes gestacional. Com 39 semanas de gestação, nasceu Larissa, nossa primogênita. Todos testes neo-natais normais. Uma garotinha linda muito saudável. Até os três meses chorava muito de cólica, mas nada que nos traumatizasse ao ponto de descartar uma segunda gravidez. Lalá era um bebê tranquilo, aos três meses já dormia a noite inteira.



Sempre planejamos ter no mínimo dois filhos e já pensávamos no próximo. Não queríamos que a diferença de idade entre eles fosse muito grande. Antes de a Larissa completar 1 ano já estávamos esperando nosso segundo bebê. Esta terceira gestação não foi fácil. Aos quatro meses constatamos que estava com o colo do útero curto. O risco de um parto prematuro era iminente e por isso foi necessário repouso absoluto. O medo de perder o bebê ou de que ele nascesse prematuro fez com que todas as recomendações médicas fossem seguidas. O pai, coitado, que estava de viagem no Japão teve que voltar às pressas. Conseguimos levar a gestação até a 39ª semana. Nasceu o Pedro, um ano e sete meses após a chegada da Larissa, um bebê lindo, grande e ruivo, por incrível que pareça. Era o bebê mais lindo da enfermaria, modéstia à parte. 

Os primeiros meses do Pedro foram como de qualquer bebê. Dormia e mamava bem, porém chorava muito. Acordava durante a noite com muita frequência. Qualquer barulhinho o despertava, até mesmo deitar na cama ao lado do berço o acordava. E quando isso acontecia ele chorava muito, só se acalmava no peito. Eu voltaria a trabalhar depois de cinco meses de licença maternidade e já estava preocupada com o fato de não conseguir dormir direito. Voltei a trabalhar e o Pedro ainda não dormia a noite toda, mas todos diziam para ter calma, afinal, os meninos "são mais devagar que as meninas", segundo os mais experientes. Pedro dormiria no mesmo quarto que a irmã, mas ficamos com receio de que ele a acordasse. Colocamos o berço do Pedro no escritório, já que até uma respiração mais forte o acordava. Somente após os 8 meses ele começou dormir melhor à noite. O tempo passava e ele crescia uma criança sorridente e feliz! Como era alegre! Tinha acessos de gargalhadas inesperados que conquistava a todos!

Surgiu, então uma outra preocupação: Pedro estava demorando demais para sentar e em sequência à engatinhar. A pediatra indicou fisioterapia, mas disse para não me "alarmar, pois os meninos tendem a ser mais devagar e cada criança tem seu ritmo". Após alguns meses de fisioterapia ele já sentava com firmeza e dava indícios de querer engatinhar. Após aproximadamente 8 meses de fisioterapia ele começava a tentar seus primeiros passinhos e a fisioterapeuta brincou "ele é só preguiçoso, já está quase andando". Ela deu alta para ele e ficamos aliviados.

Quando Pedro completou 1 ano e meio, mesmo sem andar com firmeza, o colocamos na escola, que por sinal era a mesma em que eu trabalhava. A irmã havia iniciado em janeiro aos dois anos, Pedro iniciaria também em janeiro do ano seguinte, com cerca de um ano e meio de idade. Avisamos a professora e a coordenação que ele era mais preguiçoso, que ainda andava sem estabilidade e não falava nenhuma palavra. Mais uma vez ouvimos a máxima: "não se preocupe, cada criança é de um jeito. Ele vai se desenvolver".

No final do ano nos chamaram para conversar na escola. Estavam preocupados com Pedro. Ele não se desenvolveu como os demais coleguinhas, gostava de brincar deitado no chão, não atendia quando chamavam seu nome e não interagia com os colegas. Indicaram que procurássemos especialistas para avaliarem o Pedro. Meu mundo caiu. Nós já sabíamos que ele era diferente, mas tapávamos o sol com a peneira: era muito melhor acreditar que ele era uma criança muito feliz e preguiçosa. Se de um lado para a Priscila-Mãe era difícil acreditar, para a Priscila-Professora tudo ficava claro. Naquele momento eu tinha duas escolhas: refutar tudo o que a escola me apontou ou enxugar as lágrimas e procurar ajudar meu filho de todas as maneiras possíveis. Escolhi a segunda opção.

Ah... E sobre o início do texto: Não, eu não era forte, Pedro me fez forte. Por ele sou forte, não é uma escolha. É meu dever. Deus me escolheu para ser forte. Ele me confiou cuidar de um de seus anjos: o meu anjo azul!